Nasce a BrOi, a megatelefônica privada com força de estatal, apoiada no investimento de US$ 12 bilhões garantidos com dinheiro público. Para encurralar o plano, porém, foram atropelados a transparência e os interesses do consumidor.
Finalmente, depois de um dia de muita tensão por causa de uma decisão judicial de última hora, consumou-se na semana passada, na Anatel, o texto novo Plano Geral de Outorga (PGO) das telecomunicações,
Com as alterações necessárias a garantir a consumação da compra da Brasil Telecom pela Oi (ex-Telemar). Faltam alguns caminhos burocráticos – Conselho Consultivo da Agência, Ministério das Comunicações, Casa Civil – até a proposta receber o jamegão do Presidente. Mas, do modo como todo o processo ocorreu, não há dúvidas de que o negócio sairá. Estão contemplados os interesses dos negociantes e os do governo - principal incentivador, patrocinador e financiador do negócio, via BNDES. Só não sai tudo conforme
o script urdido nos gabinetes brasilienses porque a Anatel, mais por divergências internas, só contornadas depois da nomeação a toque de caixa de uma conselheira para a agência, que pouco entende de telecomunicações e que demorou demais a aprovar as mudanças na PGO.
Consumou-se o que o jornal O Estado de S.Paulo em sua edição de ontem classificou como "mais um caso acintoso de promiscuidade entre o poder público e os interesses privados". Apenas esses últimos foram considerados na transação – quem está do outro lado do balcão, o consumidor, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, foi solenemente ignorado. Alega o governo, para patrocinar esse negócio "privado" de US$ 12 bilhões, garantido pelo dinheiro público (o citado BNDES, outros bancos oficiais e fundos estatais), que o Brasil precisa de uma megatele com capital nacional para competir com as estrangeiras.
Para não perdermos tempo e espaço, vamos aceitar esta tese como totalmente válida. É fato indiscutível, também, que o PGO precisa ser atualizado em função da constante renovação tecnológica em que vive o setor. Aliás, praticamente toda a legislação brasileira neste campo está ultrapassada, obsoleta em grande parte. Ainda assim, não se justifica que o processo todo tenha se dado como se deu. E não apenas pelo inexplicável derrame de dinheiro do contribuinte.
A junção das duas teles, formando a já tristemente famosa BrOi, vai provocar uma perigosa concentração do setor que, certamente, deixará os usuários mais indefesos do que estão.
É brincadeira de mau gosto de alguns dizer que essa concentração vai facilitar a competição, pois agora teremos uma companhia muito poderosa em competição com outra, que estava sozinha no mercado. Cita-se, no caso, o exemplo dos Estados Unidos, onde, depois da divisão permitiu-se novamente a concentração. Ora, há uma diferença básica, não considerada no Brasil. Lá, antes de serem alteradas as normas de competição para permitir junção de empresas, foram feitas profundas alterações nas regras de proteção
aos contribuintes. As companhias ganharam mais obrigações, deveres. E garantidos pela FCC, uma agência que funciona como devem funcionar as agências reguladoras.
Aqui, continuaremos a mercê do vento, pois de consumidor a Anatel sabe pouco e quer menos ainda.
Um exemplo é a polêmica questão das mudanças, que só foi dirimida depois da providencial entrada da nova conselheira na agência. Trata-se da separação dos serviços de telefonia fixa e banda larga na Internet, ambos prestados pelas companhias telefônicas.
Elas teriam de formar duas companhias distintas, separadas. Aliás, como foi feito com sucesso na Inglaterra. O governo e as teles eram contra, sob a justificativa de que isso aumentaria as despesas delas e, portanto, os custos para os usuários. Além, naturalmente, de ir contra a tendência natural da convergência digital.
São argumentos de peso, inegavelmente. Porém, não se tomou nenhuma providência aqui também para evitar que a concentração da oferta de banda larga nas mãos de duas empresas apenas prejudique o consumidor e ponha em risco um dos mais importantes instrumentos da economia moderna e da vida cultural e comunitária neste século 21. As duas teles que ficarão depois do nascimento da BrOi terão quase 70%, sem contar que os provedores independentes de banda larga são dependentes da infra-estrutura delas.
Com o governo empenhado até demais no negócio, será difícil reverter o que a Anatel preparou. Não custa, porém, tentar no Congresso e no Judiciário. Se ficar como está, o prejuízo será grande o suficiente para comprometer e retardar nosso sonhado salto para o desenvolvimento sadio.
José Márcio Mendonça
Diário do Comércio
.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário