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sexta-feira, 25 de abril de 2008

A questão militar


Por Denis Lerrer Rosenfield
Um dos pontos de convergência entre os militares, o PT e o governo atual, residia no nacionalismo. Não foram poucos os que viram nas posições do partido uma garantia de que potências estrangeiras não interfeririam nos assuntos nacionais, em particular em nossas reservas estratégicas. Segundo essa concepção, a Amazônia ocuparia um lugar central, por ser objeto de cobiça internacional e ter em seu subsolo minérios ainda inexplorados.
Em um mundo que se mostra cada vez mais finito, em que os agentes econômicos e Estados entram numa disputada desenfreada pelos recursos do planeta, a posição militar ganha uma expressão ainda maior. Veja-se o papel da China na África, que, cada vez mais, entra naquele continente, com o intuito de assegurar o funcionamento e o futuro de suas indústrias.
No entanto, a convergência nacionalista estava baseada num equívoco. Enquanto os militares propugnavam pela defesa da soberania nacional, a doutrina petista apenas se ancorava numa formulação dita anti-imperialista, voltada, na verdade, contra os EUA. Na verdade, ela mostrava também uma outra face, a da colaboração com outros países a partir de uma ideologia de "solidariedade socialista". A dita compreensão com os mais "fracos" sinalizava uma atitude que estava ancorada numa concepção em que a defesa dos interesses nacionais se encontrava relegada a segundo plano.
Uma outra vertente da mesma colocação consiste na assimilação do "politicamente correto", feita em nome de uma suposta justiça social. O apoio ao MST, político e financeiro, inclusive com respaldo para atuar fora da lei, é a expressão de um processo em que o antigo projeto comunista se apresenta, agora, como se fosse uma questão de reforma agrária. Basta ler os documentos dessa organização política para constatar a sua afinidade eletiva com as democracias totalitárias do século XX, com o seu "socialismo real". A sua versão mais recente consiste em tornar uma questão de justiça social, em relação aos índios e os negros, uma questão propriamente política.
Também aqui a instituição militar serviu de bode expiatório. A questão dita quilombola foi utilizada politicamente para atingir a Marinha, ao tornar a Restinga da Marambaia, base dos fuzileiros navais, objeto de um processo de desapropriação. Salta aos olhos a inexistência de qualquer quilombo naquela região, nos termos da Constituição de 1988. Entretanto, há ainda em curso uma ação para que a maior parte dessa área seja desapropriada, tornando-a inviável para operações militares. Um dos locais possíveis para abrigar uma futura base de submarinos tornar-se-ia "propriedade" de "quilombolas", financiados e instrumentalizados por uma ONG, que conta com recursos da União Européia , Fundação Ford e um conjunto de Igrejas anglicanas e evangélicas internacionais.
Processo semelhante ocorre com a FAB, também objeto de uma ação dita quilombola contra a Base de Alcântara, Maranhão. O problema reside igualmente numa questão de soberania nacional, essencial para um projeto espacial brasileiro, se o País quiser ser militarmente e economicamente competitivo no século XXI.
A fala do general Heleno, atentando para a situação caótica da Amazônia, perante um grupo expressivo de altos oficiais das Forças Armadas, da ativa e da reserva, deu vazão a um sentimento generalizado de indignação com os destinos do País. Quando advertiu para os perigos de uma demarcação contínua de terras indígenas, em Roraima, em faixa de fronteira, sobre um subsolo rico em minérios, o Comandante da Amazônia sinalizou para os perigos que corre o Brasil.
É sobejamente conhecido que há ONGs que agem impunemente, tornando o território nacional algo que poderia ser relativizado no futuro, tornando-se "internacional", seja por razões ditas ambientais, seja indígenas. Uma formulação freqüente, utilizada em relação aos indígenas, consiste em considerá-los como "nações" e "povos".
Os termos políticos aqui empregados são significativos por se inscreverem em toda uma tradição filosófico-política, que ganha realce em ONGs e organismos internacionais. O emprego desse vocabulário tem um sentido e uma finalidade precisos. O termo de nação remonta, em uma de suas significações, à Revolução Francesa , tendo sido usado como arma política para a criação de um novo tipo de Estado. O Antigo Regime , por exemplo, era dito não corresponder à "nação" francesa, por não ter feito ainda a necessária transformação sócio-política. Ou seja, a nação deveria se constituir em um novo Estado. É essa ressonância semântica que está presente no uso do termo de nação, que pode ser considerado como uma preliminar ideológica, do ponto de vista de uma independência posterior desses povos ditos indígenas em relação à "nação" brasileira.
O mesmo ocorre com a expressão autonomia dos povos indígenas . O seu significado remete a todo o período da descolonização, do qual surgiram os Estados africanos. É também muito utilizado para significar uma dita luta "anti-imperialista", empregada para facilitar a dominação interna desses mesmos povos. Em nosso contexto específico, o tratamento dos indígenas nacionais, brasileiros, como um povo autônomo, tem o propósito político de criar condições para que eles venham a ser considerados efetivamente como povos independentes. Passariam os indígenas a escolher autonomamente os seus dirigentes, independentemente dos estados e da União, fariam tratados com ONGS e, poderiam - por que não? - vir a solicitar reconhecimento internacional.
Digno de nota é o fato das ONGs descontentes com a decisão do Supremo, suspendendo a demarcação da Raposa/Serra do Sol , estarem pensando em recorrer a OEA e a ONU, como se essas fossem as instâncias adequadas para resolver essa questão e não o próprio Brasil.
O simples fato de já haver essa orientação merece ser ressaltado, pois ele exibe que o alvo almejado é o reconhecimento internacional de povos independentes , que passariam a ter um estatuto próprio no seio dessas organizações internacionais.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS

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