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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O PNDH-3 E O PLEITO DE OUTUBRO


Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence (ao PT )


Sepúlveda Pertence, ministro aposentado do STF, foi escolhido a dedo pela revista Carta Maior para uma entrevista sobre o PNDH-3. A matéria resultou numa longa dissertação, na qual, entre outras coisas, ele afirma que os críticos ao programa têm o “propósito, mal dissimulado, de fazer, da objeção global ao plano, uma bandeira da campanha eleitoral que se avizinha”. Bem assim, entre aspas, como convém, e postas as vírgulas que faltavam no original.

Perceberam a malícia? O presidente da República, seguido por quase 30 ministros, em ano eleitoral e em plena campanha que ele mesmo antecipou o quanto pode, assina um calhamaço recheado de proposições totalitárias. E o aposentado ministro é buscado por uma revista lambe-mocassins do governo para afirmar que há um propósito oposicionista, mal dissimulado, de trazer o assunto para a campanha eleitoral! Queria o quê? Que a campanha escamoteasse essa pauta? Falasse de Pré-Sal? Bolsa Família? Quem sabe de temas ainda mais leves, como torta de merengue, concurso de pandorga, travesseiro de pena?

A desonestidade intelectual do entrevistado fica ainda mais evidente quando se atenta para o uso da expressão “propósito mal dissimulado”, que aparece ali para insinuar, de modo bem velhaco, que a oposição estaria sendo movida por intenção sórdida, impudica. Eu sei, eu sei. Minha mulher já me disse que não posso permitir que essas coisas me irritem. Paro, conto até dez, faço respirações abdominais, caminho do gabinete até a sala e volto. Pronto, passou.

Quando eu falo no totalitarismo do PNDH-3, é disso que falo. Sepúlveda deixou claro a quem pertence. Ele acha o Programa o máximo. Ele se escandaliza com os que se escandalizam lendo o programa. E considera abusivo que se aborde em eleições presidenciais temas como anistia, direito de propriedade, liberdade de imprensa, autonomia do judiciário, e aquilo que os norte-americanos denominam traditional values, que envolve coisas irrelevantes como família, religiosidade, direito à vida desde a concepção, e assim por diante. Como se vê, o comportamento da esquerda não democrática se encaixa na situação descrita pelo poeta dissidente russo Ievgeni Yevtushenko no poema Medo: “O povo foi domado aos poucos, e tudo foi lacrado. Ensinado a gritar quando devia estar silente, quieto ficou quando deveria esbravejar”. Não é o meu caso.

Por isso, bem ao contrário do aposentado ministro, eu critico o silêncio de alguns que deveriam estar gritando e a tolerância de outros que se dão por satisfeitos com mínimos retoques cosméticos aplicados na fisionomia desse monstrengo que é o PNDH-3. Por exemplo? O governo decreta, nele, seu compromisso de “apoiar a aprovação do projeto de lei que legaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”. Protestaram os pró-vida. E o governo prometeu colocar um ponto logo depois da palavra aborto (que é a única que realmente importa nessa específica questão). Retira-se o adjetivo, preserva-se o substantivo e faz-se silêncio na CNBB? Alô? Não ouço mais nada.

Outro exemplo? Há no decreto um preceito que institui a tal Comissão Nacional da Verdade, atribuindo-lhe a tarefa de “examinar as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política...”. A indignação dos comandantes militares e do ministro da Defesa passou rapidamente quando o governo anunciou que retiraria a expressão “repressão política”. Será esse o único problema do malsinado preceito, que já está desmanchando, a pontapés da esquerda totalitária, a laboriosa e valiosa construção política do perdão recíproco expresso na Lei da Anistia?

O governo pode rasgar e reduzir a confete o famigerado PNDH-3, com suas muitas formas de submeter as liberdades públicas e os reais direitos humanos ao tacão ideológico da esquerda totalitária. Mas mesmo que o governo faça isso para fugir do debate que criou, o PNDH-3 persistirá como tema da campanha eleitoral porque as ideias podiam estar no papel, mas as ideias não são do papel. Elas são das pessoas que infelizmente dirigem o país e a oposição tem o dever de persistir no debate.

Percival Puggina
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