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quarta-feira, 10 de março de 2010

A Carta que Lula diz que não recebeu - Parte 2

Cubanos voltam a pedir ajuda a Lula contra prisões

Esperança: em greve de fome desde 24 de fevereiro, Guilhermo Fariñas aguarda intervenção de Lula.

Um grupo de dissidentes cubanos pediu ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que interceda pela libertação de 20 presos políticos na ilha de Fidel e Raúl Castro. Desta maneira, dizem os opositores, a morte do jornalista anticastrista Guillermo Fariñas – que faz greve de fome pela soltura dos ativistas desde 24 de fevereiro na cidade de Santa Clara – seria evitada.

"Cremos que o senhor possa interceder junto ao governo de Cuba para pôr fim a uma situação que, além de tudo, atrapalha os esforços para estruturar uma autêntica comunidade de Estados latino-americanos e caribenhos centrada nos direitos de seus cidadãos", dizem os dissidentes em carta aberta a Lula. "A influência regional do Brasil, sua confiança no potencial transformador da sociedade democrática e seu conceito de paciência estratégica podem ajudar para que Cuba comece a compartilhar níveis mundiais de direitos humanos", finaliza o texto, assinado pelo recém-criado Comitê Para Libertação dos Prisioneiros Políticos Cubanos Orlando Zapata.

O presidente, porém, alega que greve de fome não é válida para libertar dissidentes e pediu respeito à Justiça de Cuba. Segundo uma fonte da presidência que preferiu manter o anonimato, Lula também afirmou que não recebeu nenhuma carta de dissidentes cubanos ligados a Guillermo Fariñas, e que desconhece um pedido para que interceda por presos políticos em Cuba.

Diante disso, o Diário do Comércio tomou a iniciativa de encaminhar a carta a ele, hoje.

'Greve de fome, não' – Em entrevista a Associated Press, o presidente condenou a greve de fome de prisioneiros políticos de Cuba como meio de forçar a sua libertação.

"Eu penso que a greve de fome não pode ser usada como um pretexto de direitos humanos para libertar as pessoas. Imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem liberdade", comparou o presidente.

Na entrevista, Lula cobrou respeito às decisões da Justiça cubana sobre a prisão dos dissidentes – um dos quais, Orlando Zapata, morreu no final do mês passado devido a complicações de saúde provocadas também por uma greve de fome enquanto Lula visitava Cuba para se encontrar com o presidente Raúl Castro e seu irmão, o ex-líder Fidel.

"Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos, como quero que respeitem o Brasil", afirmou Lula.

Lula recordou que em seu tempo de líder sindical de oposição à ditadura militar, que governou o Brasil de 1964 a 1985, fez greves de fome e qualificou a prática como uma "insanidade".

"Gostaria que não ocorressem (detenções de presos políticos) mas não posso questionar as razões pelas quais Cuba os prendeu, como tampouco quero que Cuba questione as razões pelas quais há pessoas presas no Brasil", acrescentou.

'Chantagem' – Fariñas, de 48 anos, começou o jejum voluntário no último dia 24 em sua casa exigindo a libertação de 24 prisioneiros com estado de saúde grave. O protesto começou um dia depois da morte do dissidente Orlando Zapata, vítima de uma greve de fome de 85 dias, que coincidiu com a visita de Lula à ilha. Na segunda-feira, o diário oficial Granma disse que a ação de Fariñas é uma chantagem inaceitável.

Reação – As explicações do presidente sobre os presos cubanos na entrevista concedida à Associated Press foram consideradas "oportunistas" e "incoerentes" por parlamentares das comissões de Relações Exteriores da Câmara e Senado e também pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Olhos fechados: em sua passagem por Cuba, Lula evitou tratar do caso de Orlando Zapata, que morreu.
Para o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), Lula erra ao comparar os presos comuns dos presídios brasileiros com os detidos em Cuba por crimes políticos. "É mais do que oportunismo, é de um cinismo atroz. Jamais compare alhos com bugalhos. É preciso denunciar a situação caótica dos presídios brasileiros, mas também devemos ter coragem de condenar o tratamento aos presos cubanos", afirmou o deputado, integrante da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

O presidente da comissão, deputado Emanuel Fernandes (PSDB-SP), compartilhou do mesmo discurso. "O Brasil tem que ser contra a prisão política. Todo o esforço do País em ter uma política externa de relevo vai por água abaixo com esse discurso do presidente", afirmou. Segundo Fernandes, o tema pode ser discutido na primeira reunião da comissão, marcada para amanhã.

Jungmann criticou ainda a declaração em que Lula afirma que não vai se intrometer na legislação, muito menos na Justiça cubana. Segundo o deputado, Lula interveio em Honduras porque acreditava que o presidente deposto, Manuel Zelaya, sofrera um "golpe da direita". Mas no caso de Cuba, "uma ditadura de esquerda, Lula diz que não se intromete".

O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), classificou de "incoerente" essa declaração de Lula sobre não intervenção. "Tivemos uma ação de interferência na Itália, quando ele não quis extraditar o terrorista Cesare Battisti. É uma posição ao sabor dos ventos", frisou o tucano. "Acredito que o presidente esteja sendo incoerente com o seu passado. Não é possível comparar preso político com criminoso comum", afirmou.

A posição dos parlamentares foi seguida pelo presidente da OAB nacional, Ophir Cavalcante. "É uma questão de viés ideológico. A leitura que o governo Lula faz do regime de Cuba é de que é um governo popular e socialista e estaria legitimado. Nossa sociedade tem outra formação que não condiz", afirmou.

Diário do Comércio


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