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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

O STF e a reserva



O conflito entre os interesses dos índios da reserva Raposa/Serra do Sol e os arrozeiros rendeu uma decisão histórica no STF. As 18 ressalvas do relator derrubaram o direito absoluto dos índios sobre a demarcação e o uso das terras indígenas, como se tivessem.

O julgamento, pelo Supremo, do caso da reserva Raposa/Serra do Sol, é da maior importância por assinalar uma reviravolta na política indigenista brasileira. Em geral, a cobertura midiática tem enfatizado a confirmação da reserva contínua como um ganho dos indígenas e, por extensão, da FUNAI e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). No entanto, uma leitura mais apurada do voto do ministro Menezes Direito, seguido pelos demais ministros, sinaliza para questões de princípio, relativos à demarcação e ao uso das terras, que se chocam frontalmente com os que vêm sendo defendido por ONGs nacionais e estrangeiras, o CIMI e a própria FUNAI.

A questão de princípio central pode ser resumida da seguinte forma: os indígenas não possuem um direito absoluto sobre suas terras, como se tivessem um direito incondicionado à autodeterminação. Ou seja, as 18 ressalvas introduziram uma relativização ao direito absoluto dos indígenas sobre as suas próprias terras, o que vinha sendo pretendido e proclamado tanto pela FUNAI quanto pelo CIMI.

Os arrozeiros foram evidentemente prejudicados e lhes restará, provavelmente, apenas a saída de uma indenização, com uma briga judicial para a determinação desses valores. Briga tanto mais justa que foram incentivados na época para se instalarem naquela região, dentro de uma política de colonização e desenvolvimento do Estado brasileiro. Teriam, portanto, direito ao ressarcimento de seu trabalho, investimento e esforço. No entanto, a decisão do Supremo, tal como está se delineando, tem um alcance de médio e longo prazo, relativa a outras demarcações e ao exercício mesmo das terras já homologadas. Vejamos algumas das ressalvas mais importantes.

A Declaração Universal dos Povos Indígenas, decidida pela Assembléia Geral da ONU, não possui nenhum efeito normativo no Brasil, não podendo, portanto, pautar nenhuma decisão interna. Ora, os ditos movimentos sociais, com destaque para o CIMI e o MST, alguns juízes e promotores, assim como a FUNAI, vinham defendendo a idéia de que a Declaração já teria efeito normativo no Brasil, podendo pautar decisões políticas e judiciais. Vários documentos iam neste sentido, com o uso cada vez mais freqüente do termo Nação Indígena, com direito à autodeterminação e disposição absoluta sobre essa área do território nacional. As Forças Armadas não precisam pedir autorização a ninguém para exercer as suas funções constitucionais. Tal ponto vinha sendo contestado, inclusive com o uso da Declaração dos Povos Indígenas, pela FUNAI e pelo CIMI, além de ONGs nacionais e internacionais. O próprio presidente da FUNAI chegou a declarar, conforme foi noticiado pela Folha de S. Paulo, no dia 4 de dezembro, que ele não tinha sido consultado sobre o novo Plano Estratégico das Forças Armadas relativo ao uso das terras indígenas. Disse, inclusive, que estranhava isto, ironizando com tiradas do seguinte tipo: "os militares vão se instalar no meio das aldeias ou cachoeiras sagradas?". As Forças Armadas teriam ficado de mãos amarradas.

O uso dos rios para a produção de energia não precisa passar por uma autorização da FUNAI, nem pela consulta a populações indígenas. Isto é da maior importância, pois reserva à União o poder de decidir a criação de usinas hidrelétricas, segundo os maiores interesses nacionais. Ora, a FUNAI e o CIMI vinham sustentando a posição contrária, insistindo não apenas na consulta, mas, praticamente, em seu suposto aspecto decisório.

O ministro Menezes Direito fez também menção explícita ao garimpo, não estando o seu exercício submetido a quaisquer autorizações de populações indígenas nem à FUNAI. O garimpo segue regras próprias, que facultam a todos os brasileiros a sua exploração, sem nenhuma distinção entre índios e não-índios. Ora, esse ponto era objeto de firme contestação da FUNAI, do CIMI e dos movimentos sociais em geral, que procuravam vedar a exploração dos garimpos e dos minérios em geral.

A ampliação das terras indígenas a partir das demarcações já existentes não estaria doravante autorizada. O argumento é o seguinte: uma vez que se demarca uma terra indígena, demarca-se simultaneamente o seu entorno, o que implica o reconhecimento das propriedades limítrofes, cujo direito não poderia mais ser contestado. Ora, a FUNAI tem um entendimento diverso e já reagiu imediatamente, dizendo que suas ampliações previstas no estado do Mato Grosso do Sul poderiam ser inviabilizadas.

Os laudos antropológicos seriam politicamente orientados. O ministro Menezes Direito propôs, então, que o processo de demarcação fosse feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo outras áreas de conhecimento, como advogados, historiadores e agrônomos. Trata-se de uma inovação da maior importância, pois os laudos são frequentemente feitos a partir de posições ideológicas que contrariam sistematicamente o direito de propriedade e, mesmo, a soberania nacional. Outra inovação consiste na participação dos estados e municípios nos processos de identificação e demarcação das terras indígenas. Trata-se de uma antiga reivindicação dos governadores e prefeitos, que vinham sendo relegados por atos da União que interferiam - e interferem - em suas próprias áreas de atuação.

Ovoto do ministro Menezes Direito enfatiza igualmente que a saúde e a educação devem ser introduzidas nos territórios indígenas, de modo que essas pessoas tenham direito a uma vida digna, que não fique subordinada a interesses políticos e ideológicos. Há, por exemplo, documentos do CIMI que propugnam pela volta dos pajés ou políticas da FUNAI que entendem a educação como devendo ser contrária a uma aculturação já existente e inevitável. A questão ganha ainda uma maior relevância por se tratar de populações indígenas em avançado processo de aculturação, que necessitam, portanto, de uma melhor educação para melhor se equipararem aos outros brasileiros.

Denis Rosenfield
Diário do Comércio



Em resumo, a perda dos arrozeiros e dos índios contrários a demarcação continua é pouca se comparado ao ganho da Nação, por acabar com a "festa demarcatória" e enterrar os interesses ocultos dos orgãos e ONGs indigenas.



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